13 / 07 / 20

Framework para gestão ágil (FGA): como desenvolver tolerância à desordem e aumentar a produtividade

Por Vanessa Nogueira

Essa semana me lembrei de um trecho do livro High Output Management (título em português: Administração de Alta Performance), de Andrew S. Grove, que, apesar de ter sido publicado pela primeira vez em 1983, me pareceu mais atual do que nunca:

O novo ambiente de negócio obedece essencialmente a duas regras:

1. Tudo acontece mais rápido.
2. Tudo que pode ser feito será feito, se não por você, por outra pessoa.

Nesse ambiente, você precisa desenvolver alta tolerância à desordem e, ao mesmo tempo, manter ou aumentar a produtividade.

Eu ainda não tinha lido esse livro quando desenvolvi o Método 3CDI, mas quando li essa passagem foi inevitável relacioná-la com o pilar Desapego do método. Quanto mais eu leio, mais percebo que todos os fundamentos de gestão e liderança já estão na mesa há anos e que o papel dos profissionais que desejam ser facilitadores das transformações nas empresas, como desejo com o Método 3CDI, é apenas oferecer releituras desses fundamentos, aplicando uma linguagem que dialogue melhor com a realidade de agora.

Decidi escrever esse artigo então apresentando qual é a minha releitura sobre a necessidade da alta tolerância à desordem nesse novo ambiente de negócios no qual estamos vivendo, há muitos anos elucidada por Andrew Grove.

Durante toda minha formação acadêmica, o ciclo PDCA* sempre foi a ferramenta mais indicada quando eu precisava pensar em como tornar os processos de uma empresa mais ágeis, claros e objetivos. A teoria o aponta como um método bastante eficaz para quem busca melhoria contínua para ter sucesso nos negócios, e meu modelo mental – quando o assunto era ganhos de eficiência e resolução ágil de problemas – sempre operou a partir do Plan-Do-Check-Act/Adjust (em português: planeje; faça; cheque; aja/ajuste).

O PDCA, no entanto, sempre veio acompanhado de recomendações bastante específicas como:

. “Tome os devidos cuidados para que a sua implementação não seja incorreta”
. “É preciso planejar tudo”

A sensação que eu tive quando comecei a trabalhar no universo de startups era que na universidade e nas empresas maiores e mais tradicionais o tempo parecia ser mais alongado, o que viabilizava seguir recomendações como essas. O ciclo PDCA fazia sentido quando você tinha uma pessoa (ou, às vezes uma equipe inteira) para pensar o planejamento (P) e eles tinham algumas semanas para elaborá-lo com a garantia de que estaria tudo bem explicitado para a pessoa (ou equipe) que seria responsável por implementá-lo (D). E assim sucessivamente: havia uma pessoa responsável por checar se a implementação estava ok (C) e uma quarta pessoa responsável pelas sugestões de melhorias (A) que alimentava a equipe de planejamento responsável por recomeçar o ciclo.

A questão é que essa estrutura é muito diferente do que você encontra em uma empresa ágil. Na Strider, por exemplo, startup que trabalhei como diretora por 5 anos, todas as minhas atividades exigiam que eu, pessoalmente, planejasse, fizesse, checasse e ajustasse, e era assim com as atividades de todas as pessoas do time, desde o estagiário até o CEO. E esse ciclo inteiro às vezes durava apenas um dia. Eu já testei uma solução e descobri que ela não funcionava em uma manhã, ligando para uma amostra de clientes potenciais, por exemplo, e testando um posicionamento do produto que não foi bem recebido. Na parte da tarde essa descoberta determinou o treinamento do time de vendas, que passou a operar com um discurso diferente do que tínhamos treinado na semana anterior.

Entendi então que era necessário ajustar o meu modelo mental para o que eu chamei de framework para gestão ágil (FGA).

Ele consiste em pensar a gestão em cinco passos:

1. Identificar o problema
2. Comunicar os riscos ao time envolvido
3. Criar uma solução
4. Colocá-la em prática
5. Resolver o problema

1. Identificar o problema:
Consiste em saber o problema que você deseja resolver e encontrar a pergunta certa que precisa ser respondida com o ciclo de descoberta que você irá propor em seguida. Quanto mais específica for a pergunta, melhor.

2. Comunicar os riscos ao time envolvido
Com sua pergunta em mãos chame o seu time e explique a eles o problema que a empresa precisa resolver para crescer permitindo que eles se sintam inteiramente parte da solução. Ainda que ninguém saiba a resposta para aquela pergunta, é importante que todos entendam que respondê-la faz parte da jornada de sobrevivência da empresa.

3. Criar uma solução
Convide as pessoas do time que você entende que possuem conhecimento útil sobre aquele problema específico e escute o que eles têm a dizer sobre possibilidades de soluções. Você dificilmente vai conseguir pensar em uma solução criativa o suficiente sentado na sua mesa, sem ter inputs de pessoas diferentes da empresa.

Os passos de 1 a 3 são bastante dinâmicos, podem acontecer em algumas horas, em conversas que você tem no café, pouco estruturadas, não há necessidade de gastar muito tempo modelando demais. É um exercício de exploração, então trate-o como tal.

4. Colocá-la em prática
A etapa de colocar em prática, pode não ser algo que você faz em um dia. Se o problema for grande mesmo, um ciclo desse pode te tomar 6 meses ou mais e envolver contratar pessoas, desenvolver processos, implementar treinamentos, fazer mudanças no produto e falar com o mercado.

Quanto maior é o problema que você precisa resolver, mais ciclos de 1 a 4 você precisa fazer para chegar em um “cinquinho” só. Quando você pega um problema amplo como, por exemplo, “preciso escalar as vendas dessa empresa”, há uma probabilidade bem alta de que você precisará de mais de um ciclo de 1 a 4 para chegar no 5.

Isso acontece porque em um negócio inovador o problema que você está tentando resolver ainda não foi resolvido por ninguém antes, então provavelmente você não terá sucesso só executando direitinho uma estratégia que está no livro. Ao contrário disso, cada ciclo de 1 a 4 vai te dar uma parte das respostas que você precisa para continuar o negócio. É a velocidade em que você executa esses ciclos e a capacidade de entender as respostas que cada um deles te traz que determinarão sua taxa de sucesso.

Nesse contexto, o valor do profissional que pensa a estratégia para uma empresa ágil e inovadora será tanto maior quanto a velocidade em que ele consegue diagnosticar o que não está dando certo e criar do zero uma nova estrutura.

Aqui, ter a capacidade de tomar boas decisões estratégicas é conseguir olhar para a solução que você mesmo sugeriu e para tudo aquilo que você ajudou a colocar de pé nos últimos meses e colocar no chão, se for preciso. É estar completamente desapegado da sua própria criação, uma vez que acertar tem muito menos a ver com o que você gosta ou acha que é certo e muito mais a ver com o resultado que você colheu daquela tentativa específica.

*Método de gestão em quatro passos: P (plan ou planejar), D (do ou fazer), C (check ou checar), A (act ou agir), desenvolvida na década de 20 por Walter A. Shewhart.